E elas escorrem feito água em dia de chuva que livram a calha da sujeira acumulada dos últimos dias. Como um rio que salta a cada pedra lançada em seu estômago, se dispersam sem rumo. E igual a sorvete em dia de calor intenso, escorrem, deixando um pensamento de dúvida do porquê de escorrerem assim, sem permissão. Elas, eram lágrimas.

São só palavras. Ditas por quem não conhece e lidas por quem não viveu. Mas, são palavras. Verdadeiras ou não, vividas ou não, saltam por entre as páginas como solucionáveis remédios à terrível insônia diária. Porém, te presenteiam no dia seguinte com enormes olheiras de panda. Pense pelo lado bom, pandas são bonitinhos. E passar a noite na companhia das palavras é mais bonito ainda, não acha? Tenho certeza!

“Uma, roubava livros. O outro, roubava o céu”. E a partir daí, faltou fôlego. Deu uma última pausa na tentativa de três goles de água para recuperar a respiração. Mas, só conseguiu dois goles. Era o suficiente. Pelo menos era o que parecia. Deitado, retomou. Desligou o ventilador, apesar do calor que fazia. Tudo para que o silêncio lhe fizesse companhia e para que as palavras o engolissem por completo.

Não só o engoliram. Feriram. Por dentro, um coração que pedia por mais ensinamentos em páginas já acumuladas. Trezentas e setenta e duas, para ser mais exato. Por fora, a visível aparecência da falta de ar acoplada aos sentimentos “dos outros”, mas que já eram tão seus. Ao se despedir de Hans Hubermann na estação de trem e lhe desejando boa sorte em sua viagem, decidiu parar. Já era o bastante para aquele dia e o clima já estava se tornando angustiante demais para uma véspera de sexta-feira.

“Quando todos se aproximaram, voltou a falar.
Não pude evitar disse.
Foi Rosa quem respondeu. Agachou-se para fitá-lo.
De que você está falando, Max?
Eu… lutou ele para responder. Quando ficou tudo quieto, subi até o corredor, e havia uma frestinha aberta na cortina da sala… dava para eu ver o lado de fora. Espiei, só por alguns segundos.
Fazia vinte e dois meses que ele não via o mundo lá fora.
Não houve raiva nem censuras.
Foi o pai quem falou.
E o que lhe pareceu?
Max levantou a cabeça, com enorme tristeza e enorme assombro.
– Havia estrelas disse. Elas queimaram meus olhos.
(…)
Numa janela da rua Himmel, escreveu Max,
as estrelas puseram fogo em meus olhos”.

“O menino que chorava com livros”, este será o título que darão à minha biografia, se um dia eu for merecedor de uma. Creio que não. Um judeu escondido, uma menina que roubava cultura, um pai de criação e coração. E uma narradora, digamos, temida por muitos, mas, amiga de todos, acreditem. Não falarei aqui da história para não lhes estragar o sentimento. Leia, é o que te indico: “A menina que roubava livros”, de Markus Zusak.

E antes de dormir, uma última cena. O abraço ao acordeão dado pela mãe de criação, aparentemente insensível e visivelmente histérica, mas, que também tinha um coração.

Eram só palavras. Era apenas um livro. Mas, me fazia viver!